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quarta-feira, 11 de março de 2015

Feminismos

A Teo é a quarta geração de um família de mulheres que não cozinham. Não sei se quero que ela perpetue essa tradição.

Ser feminista hoje é barbada, para minha vó é que não era. Casou tarde (com 23 anos!!!), pois disse pro meu avô que sem se formar, não casava. Minha avó tem nível superior e nunca parou de trabalhar, nem com 5 filhos para criar (as pílulas eram muito fortes e ela não se adaptou), nem para fazer pós-graduação, nem quando os vizinhos falaram mal de seu uniforme de normalista. Quase foi expulsa de um curso porque usava calça comprida e foi a única de suas irmãs a compreender e permanecer unida a uma irmã que decidiu divorciar-se, quando todas as outras a xingaram, renegaram ou simplesmente se afastaram. Meu avô que cozinhava, ele era marceneiro e trabalhava em casa, por isso cuidava mais das crianças e da casa. Hoje os dois são aposentados e dividem o serviço doméstico, mas minha vó ainda não cozinha (ela sabe cozinhar e até que a comida dela é boa, mas só vai para cozinha em caso de emergência).

Minha mãe casou para estudar, em sua cidade não tinha faculdade e sair de lá sozinha ainda não era concebível. Pegou carona com meu pai e veio para Porto Alegre onde matriculou-se no cursinho pré-vestibular. Sua ginecologista disse que ela tinha útero invertido e não engravidaria sem tratamento. Um mês depois de casada, eu estava a caminho. Passei a ser mochila dela, ia em quase todas as aulas, lembro dela estudar muito. Minha mãe nunca foi dona de casa, nunca soube o que tinha nos armários e geladeira, nunca cozinhou todos os dias, nunca teve gosto por fazer faxina e, se surgisse uma proposta de passeio enquanto estávamos limpando a casa, já ficava tudo pela metade ou sem fazer mesmo. Ela preparava receitas especiais para o meu pai e fazia um carreteiro sem graça que ninguém gostava e do qual hoje tenho saudade. Mas cozinhar assim: arroz, feijão, bife e salada todo dia não rolou. Eu e meus irmãos aprendemos cedo a ter nossas tarefas domésticas. Depois que o pai morreu, não pudemos mais pagar empregadas e a mãe passou a trabalhar muito, então era tudo conosco.

Eu cozinhava e lavava as roupas, mas cozinhava tão mal que meu irmão, que era bem pequeno, decidiu aprender, diz ele, hoje, em tom de deboche, que aprendeu para não morrer de fome. Depois até melhorei, sei fazer bastante coisa, mas sigo não cozinhando. O Vinícius que controla os estoques de comida e faz coisas maravilhosas na cozinha. Eu, mesmo que me esforce muito, não sei quantos tomates eu tenho e, se preciso fazer uma comida rapidinho, me atrapalho toda e odeio, odeio cozinhar por obrigação.

Tudo isso para dizer que está entranhada na minha formação e cultura a divisão de tarefas entre os gêneros, que nunca pensei em não trabalhar ou deixar de trabalhar por algum motivo, nunca pensei em parar de estudar mesmo quando meu marido parou, pois achou suficiente para ele (O Vinícius é formado em matemática - isso explica muita coisa). Nem nunca pensei em ter um marido que esperasse outra coisa de mim.

Hoje, com quase quatro anos de casada e dezessete de relacionamento, acho que exagerei. O Vinícius vive cozinhando coisas para mim e trazendo tudo que eu gosto do super e eu só espero. Ele me traz café na cama, água quando peço e leva para cozinha a louça da sobremesa e, se ele me pede alguma dessas coisas, me sinto ofendida, hostilizada, acho ele o homem mais machista do mundo (não que ele não seja um bocado machista em muitas coisas, mas nem tanto).

Por isso não sei se não quero que a Teo aprenda a cozinhar. Cozinhar assim no sentido de tomar conta de sua casa, de ter o poder da alimentação da sua família e da gerência do lar. Acho que preciso achar o meu equilíbrio, para ser justa e me sentir mais dona da minha casa, na maioria das vezes, me sinto mais dona do meu trabalho do que da minha casa.

Por isso acho que minha filha será criada por uma mãe um pouco mais mãe DONA da sua casa. E talvez ela aprenda a cozinhar como o pai dela.

Um comentário:

Unknown disse...

Me sinto mais dona do meu trabalho do que da minha casa...me identifiquei!