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domingo, 16 de dezembro de 2012

A propósito das ausências

O final de semana foi de festas, mas, infelizmente, também de ausências. A maior e a mais gritante, chorante e difícil de engolir foi a da Dinha, como a Camila explicou bem em http://1kgdeblog.wordpress.com/2012/08/18/das-relacoes-ou-do-tamanho-das-pessoas/ , ela não era unânime, aliás, nenhuma pessoa com personalidade é, e teve muitos tamanhos para muitas pessoas e para mim mesma. Mas ela é, para tantos, uma ausência gigante, uma cratera onde o grande cânion fica pequeno, o imenso buraco negro que vi ontem nos olhos da minha vó. Uma saudade muda... surda, cega e louca - que ainda não entendeu que acabou, como acabou e muito menos porquê. Já expliquei que sou fadada a alegria em http://apropositodeportoalegre.blogspot.com.br/2011/10/fadada-alegria.html , então sofri um monte de coisas estranhas, mas estive extremamente feliz nesse findi. Fico feliz pois as ausências são pessoas marcantes que mesmo ausentes conseguem estar presentes em nós: no que eles construíram e legado que deixaram. Fico feliz por ter tido a oportunidade de ter vividos com eles.

Esses dias estava conversando com a Rafa sobre a minha sorte. Disse a ela que às vezes eu ficava com pena dela e do Josué porque eu tinha podido viver mais tempo com a vó veia, com o pai e com a Dinha. Presenças que determinaram a minha vida e definiram o que sou hoje e também o que eles são. Maldade minha dizer isso a ela e mais triste vê-la concordar; mas, como vocês já sabem, não poupo meus irmãos das reflexões mais duras. Quero que pensem e aproveitem pois ele tem a chance de viver os maravilhosos mãe, vô e vó, Tata e Bolsa e tia Zi que outros não terão - então que aproveitem.

E por isso fiquei muito feliz: pelas grandes presenças que temos em nossas vidas. Pelos amigos que herdamos deles, como disse a respeito do meu casamento em: http://apropositodeportoalegre.blogspot.com.br/2011/04/proposito-da-perfeicao.html

Pelo tio Giba, que adotou o pai como irmão na irmandade de terem famílias que queriam distante, que fez de tudo que um pai faria por um filha no dia de seu casamento pela Rafa e por mim e pela tia Ju que é a tia Ju, umas das pessoas mais complexas que já consegui entender e que virou chave para eu entender muitas outras.

Pelo Bolson, que é o tio Bolsa, mas primeiro é o grande amigo que o pai nos deixou cuidando de perto e para sempre. De quem não consigo falar muito porque nada explica o amor que ele demostra sem falar uma única palavra. A Tata, que é a nossa mãe complementar, pois é o avesso e o intercomplementar da nossa mãe, que é muito defeituosa e por isso ainda mais perfeita e única e incompreensível e que, sem nenhuma modéstia (dela e minha, se alguém perguntar pela ambiguidade), criou os filhos da forma mais perfeita que é possível e se eles têm defeitos é por que é inevitável. A Tata, assim como a minha mãe, é muito criticada por todos nós, por que somos assim na nossa forma de amar: não nos elogiamos, nos criticamos - para que os elogios venham dos outros. Por isso, mesmo que eu viva falando mal das técnicas adiministrativas dela, que contaminaram a minha vida, é por que isso é muito de mim por causa dela. (Tentei reescrever essa confusão linguística, mas não dá: ninguém vai entender a confusão sentimentalista que mistura os Michels - Bolson de um jeito que não existe definição nem fronteira entre um núcleo familiar e outro) (Assim como ninguém entende a relação MM's que transformou a vizinhança em continuidade doméstica e familiar estranha a qualquer estranho)

Pelo Élio, que em sua serenidade e distância sempre esteve ao nosso lado, criando em nós uma relação estranha com a vida como a do Josué na cadeira do dentista: que dorme e sonha, mesmo diante de um dos maiores medos da era moderna.

Pelo Dalvan e Deise que, pela primeira vez, num momento definitivo não estavam lá. Entendemos a suas ausências, mas a suas presenças em nossas vida ainda são muito maiores que esse momento. E que também são parte de nossa família mesmo sem que oficialmente sejam. E que são a presença da ausência do pai e Dinha ao mesmo tempo. (Juro que vou fazer um post sobre a força centrípeta da família Senna da Silva).

Por isso tudo estou muito feliz.

Mania de irmã mais velha II

Quando reli meu post, mania de irmã mais velha, percebi que faço isso não só com meus irmãos; mas, o que é ainda mais grave e pior, vou adotando irmãos mais novos pela vida (mesmo que eles sejam mais velhos). Sei que já escrevi que irmãos são irmãos e nada mais é irmão como um irmão; mas muitas relações de nossas vidas são de irmandade (Naquele post http://apropositodeportoalegre.blogspot.com.br/2012/07/amigos-e-irmaos.html não falei dos irmãos e irmãs mais velhos que não tive e adotei, tipo o Mano (que chamo assim para sempre), a Tuca, a Nine e a Jacque - também não falei da irmã mais nova que adotei com relutância quando ainda não tinha os meus, minha primica de tantas histórias... tantas que fiz um post só para ela http://apropositodeportoalegre.blogspot.com.br/2008/08/propsito-de-uma-saudade-dessas-que-os.html ). Mas, depois da família, veio a vida.

Na faculdade, a Candida era minha irmã mais nova que dava choque de realidade. A primeira pessoa que me disse que a Rafa e o Jô não eram crianças - nunca mais vou esquecer aquele dia no Agronomia lotado. Que me ensinou o Carpe Diem e mostrou um jeito light só os irmãos mais novos podem ver a vida. Depois a Ju, que tinha crises de perfeccionismo e eu a atropelava: me dá aqui! Chega, isso tá bom e eu vou entregar assim mesmo! (Ao que ela respondia com muitos protestos que não me demoviam de torturá-la entregando trabalhos que ela ainda queria terminar). Por fim, já no mestrado, a Sandrinha, que foi a pessoa mais guerreira que eu já conheci de perto, mas ainda assim eu a achava frágil e queria proteger a todo pano de qualquer crítica do mundo.

Na Caixa, o Márcio (o nome também ajudou a fazê-lo irmão, pois tem nome do mano) foi irmão mais novo alguns meses e nos "criamos bancários" mais ou menos juntos. O primeiro efetivamente mais novo foi o Rafa. Mas esse era fatídico, além de se chamar Rafa (e Rosa) tem o mesmo jeito do Josu: aquela mania de ser argumentativo, de entender o que pensei e não disse, de ler meus olhos falantes. Inevitável, e ainda foi aprender comigo. Passou a ser maninho com direito a intromissões das mais graves e tudo. Do tipo: uma hora e tanto de almoço ouvindo em detalhes minha dissertação de mestrado (tortura grave! mas ele perguntou!), ou pior: não vai para área meio (ao que ele podia responder: que tu tem a ver com isso, sua doida, tu nem trabalha mais junto comigo!?), ou ainda: me decepcionei contigo, achei que tu era um homem de outro tipo (ao que ele podia responder: tu é só minha colega de trabalho, pirou de vez!?). Minha sorte é que o Rafa tem dois irmãos mais novos e a minha mania de irmão mais velho, então ele entende o que eu digo e principalmente o que eu não digo.

Depois veio a Tinga e uma das experiências mais incríveis que tive (espero muito ainda ter outras semelhantes, embora saiba que igual não haverá), o Murilo foi minha tábua de salvação ao chegar num mundo que não era meu. Teve a paciência de ensinar a chefe para ser chutado para fora de lá por ela em poucos meses. Não pensem que ser meu irmão é coisa boa ou fácil. Eu sei que desrespeito as pessoas, faço caretas e as obrigo a fazer o que eu acho certo, mas quando vi o Murilo praticando muito de liderança mesmo que sem se dar conta e escondidinho lá num cantinho, tive de empurrá-lo para uns processos de seleção a fim que ele entendesse seu lugar naquilo tudo. Talvez eu nunca mais tenha oportunidade de trabalhar com uma pessoa tão meiga e que, talvez por ter um irmão mais velho muito próximo, tenha entendido tão bem meu atropelo.
Depois vieram a Mi e o Ezequiel, que passam dizendo: tu parece o mano e tu parece minha irmã, respectivamente. Os dois também vem de famílias de três irmãos e tem dois irmãos mais velhos a se intrometer em casa e mesmo assim tiveram a paciência de me aturar no trabalho, de rir das minhas caretas e de, como todos os meus irmãos, ouvir meus olhos dizendo: não é assim!, tinha de fazer isso!, vai dar errado! - sem nenhuma delicadeza e sem medir as palavras (mas, a final, olhos não usam palavras!).
Por fim, as super power-full girls: Bonni, Bruna e Júlia. A Bonni com aquela vitalidade incontida que contagia mesmo depois de cuidar do bebê doente e de atender sozinha cem pessoas em dia. Com uma larga experiência de vida que minha vida não me trouxe e ainda assim com humildade de me ouvir a me intrometer na sua vida pessoal: vai estudar, criatura! vai isso, vai aquilo. Com uma habilidade espantosa de fazer falar sem parar de toda vida. A Bruna com a minha loucura de querer saber saber de tudo, estudar tudo e arrastar o irmão ele queira o não, que nem eu faço com os meus. a Júlia com aquela inocência que em nada se confunde com ignorância, mas que dá um medo de que alguém não compreenda ali adiante.

Do que concluo que tenho de aprender a fazer amigos. E parar de adotar todos os irmãos que encontro e achar que todos eles vão aguentar meu jeito impositivo de lidar com a vida deles.

Talvez possa até fazer dos meus irmãos amigos.

Mania de irmã mais velha

Ontem, no casamento da minha irmã, me dei conta da minha grande mania de controle. Percebi que não estar no controle das situações me deixa constrangida e apavorada. Não lido bem com outras possibilidades. Não que isso seja bom, normalmente não acho que seja. Mas é que não tive outra escolha na vida.

Com treze anos, a vida me mostrou que não está no controle de ninguém, quando meu pai saiu de casa e não voltou mais sem que ninguém quisesse ou esperasse por isso deixando nosso mundinho cor rosa em ruínas, não tive escolha. Agarrei todas as outras coisas que podia controlar. E o que não podia também. Peguei minha mãe pela mão (talvez a metáfora mais adequada fosse que peguei-a pelo pescoço) e saí a arrastando vida a fora, e ela deixou eu achar que estava mesmo no controle, possivelmente por reconhecer a minha dificuldade em ficar sem ele. Sempre reconheci a inteligência, a força, a autonomia, a abnegação da mãe em em flexibilizar-se para nos poupar a contrariedade; mas ainda assim sempre "peguei para mim" a responsabilidade das coisas, mesmo que não fossem de minha responsabilidade.

Com a Rafa e o Jô foi ainda pior. Enquanto estive mais perto deles, mais do que orientei, muitas vezes os obriguei com todas as minhas forças a fazer o que achava certo. Coloquei a Rafa sentada por milhares de horas a fio na escrivaninha para estudar, mesmo que, na maior parte do tempo, ela ficasse lá sem estudar. O Jô acabou saindo mais parecido comigo nos hábitos e pensamentos, talvez para sofrer menos, afinal, a Rafa berrava e esperneava reclamando das minhas imposições, muitas vezes doidas, mas que faziam muito sentido quando eu tinha 14 ou 17 anos e estudava tudo o que conseguia para entrar na Universidade Federal que era imposição da família (já que todos estudaram lá), mas também a alternativa que me restara.

Talvez, ontem, eu tenha me dado conta que os dois cresceram, que eu acabei me afastando depois de dois anos fora de casa, que eles fazem as escolhas deles e, mesmo que eu aconselhe, eles fazem o que querem e eu não posso protegê-los dos resultados disso. Eu disse para Rafa não tentar se casar e se formar ao mesmo tempo (logo eu que estou sempre fazendo quinze coisas as mesmo tempo), porque não queria que ela sofresse isso. Mas também, e provavelmente isso tenha sido extremamente positivo para ela, eu não estava suficientemente próxima para obrigá-la a fazer o que eu queria, como fiz inúmeras outras vezes - como quando a obriguei a catar uma bolsa, mesmo que voluntária, no primeiro semestre da faculdade e quando a chutei para o intercâmbio; coisas que ela sempre aceitou por entender que eram boas, mas também por estar acostumada a querer cumprir minhas expectativas. E eu criei várias.

Durante esses meses que antecederam o casamento-conclusão de curso da Rafaela vi que nunca mais estarei tão próxima a ponto de protegê-los de tudo (menos de mim mesma). Todos os sustos da semana que pareciam anunciar que em breve tudo ia pelos ares, os telefonemas que só encontravam vozes chorosas foram criando mais ansiedade e tensão. Passei a semana reclamando das decisões da Rafa e tentando me convencer a não julgá-la, a tentar entender seus motivos e principalmente a tentar me convencer de que ela é adulta, vai continuar sendo minha maninha, mas não é mais o presentinho que ganhei de aniversário adiantado, minha versão de mim mesma aprimorada. A Rafa é dela mesma e eu tenho de me contentar em saber que eu ajudei-a a ser assim.

Ontem, quando pisei no salão, algumas coisas ainda não estavam resolvidas, eu me assustei. De repente, minutos antes da cerimônia iniciar, percebi que não sou capaz de impedir a Rafa de sofrer as consequência de suas escolhas e muito menos daquelas lembranças que a vida insiste em nos dar de que não estamos no controle. Notei que não podemos preencher os espaços que ela vai nos deixando, por mais que nos esforcemos para isso. Por isso chorei, pois via que nem tudo estava como eu gostaria, para minha ansiedade (pois eu queria estar mais perto) e para sorte da Rafa (que pode fazer as coisas do seu jeito e tudo dar certo e ficar maravilhoso como de fato foi). Depois de verificar que tudo se resolveu, eu ainda queria dar uma chineladas na Rafa por nos fazer ficar mais tensos do que o inevitável.
Por fim, quando tudo virou festa, vi que era só a festa da Rafa do jeito dela e tudo ia dar certo. Sempre soube que a Rafa é muito diferente de mim, mas entendi que vai dar certo, do jeito da Rafa, e fiquei feliz e orgulhosa de ter ajudado ela a ser quem é.

É bem possível que eu ainda passe o resto da vida me achando menos perto "das crianças"- como sempre chamei meus dois irmãos mais novos, mesmo muito depois deles deixarem de sê-lo - do que eu gostaria. Mais provável ainda que eu continue querendo controlar suas vidas para que façam tudo certo e não sofram nem mesmo o pouco que eu sofri. Mas acho que agora vou entendê-los quando me contrariarem e talvez nem queira dar umas boas chineladas, porque eles estão bem preparados para decidir e enfrentar "a dor e a delícia de ser o que são."