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domingo, 16 de dezembro de 2012

Mania de irmã mais velha

Ontem, no casamento da minha irmã, me dei conta da minha grande mania de controle. Percebi que não estar no controle das situações me deixa constrangida e apavorada. Não lido bem com outras possibilidades. Não que isso seja bom, normalmente não acho que seja. Mas é que não tive outra escolha na vida.

Com treze anos, a vida me mostrou que não está no controle de ninguém, quando meu pai saiu de casa e não voltou mais sem que ninguém quisesse ou esperasse por isso deixando nosso mundinho cor rosa em ruínas, não tive escolha. Agarrei todas as outras coisas que podia controlar. E o que não podia também. Peguei minha mãe pela mão (talvez a metáfora mais adequada fosse que peguei-a pelo pescoço) e saí a arrastando vida a fora, e ela deixou eu achar que estava mesmo no controle, possivelmente por reconhecer a minha dificuldade em ficar sem ele. Sempre reconheci a inteligência, a força, a autonomia, a abnegação da mãe em em flexibilizar-se para nos poupar a contrariedade; mas ainda assim sempre "peguei para mim" a responsabilidade das coisas, mesmo que não fossem de minha responsabilidade.

Com a Rafa e o Jô foi ainda pior. Enquanto estive mais perto deles, mais do que orientei, muitas vezes os obriguei com todas as minhas forças a fazer o que achava certo. Coloquei a Rafa sentada por milhares de horas a fio na escrivaninha para estudar, mesmo que, na maior parte do tempo, ela ficasse lá sem estudar. O Jô acabou saindo mais parecido comigo nos hábitos e pensamentos, talvez para sofrer menos, afinal, a Rafa berrava e esperneava reclamando das minhas imposições, muitas vezes doidas, mas que faziam muito sentido quando eu tinha 14 ou 17 anos e estudava tudo o que conseguia para entrar na Universidade Federal que era imposição da família (já que todos estudaram lá), mas também a alternativa que me restara.

Talvez, ontem, eu tenha me dado conta que os dois cresceram, que eu acabei me afastando depois de dois anos fora de casa, que eles fazem as escolhas deles e, mesmo que eu aconselhe, eles fazem o que querem e eu não posso protegê-los dos resultados disso. Eu disse para Rafa não tentar se casar e se formar ao mesmo tempo (logo eu que estou sempre fazendo quinze coisas as mesmo tempo), porque não queria que ela sofresse isso. Mas também, e provavelmente isso tenha sido extremamente positivo para ela, eu não estava suficientemente próxima para obrigá-la a fazer o que eu queria, como fiz inúmeras outras vezes - como quando a obriguei a catar uma bolsa, mesmo que voluntária, no primeiro semestre da faculdade e quando a chutei para o intercâmbio; coisas que ela sempre aceitou por entender que eram boas, mas também por estar acostumada a querer cumprir minhas expectativas. E eu criei várias.

Durante esses meses que antecederam o casamento-conclusão de curso da Rafaela vi que nunca mais estarei tão próxima a ponto de protegê-los de tudo (menos de mim mesma). Todos os sustos da semana que pareciam anunciar que em breve tudo ia pelos ares, os telefonemas que só encontravam vozes chorosas foram criando mais ansiedade e tensão. Passei a semana reclamando das decisões da Rafa e tentando me convencer a não julgá-la, a tentar entender seus motivos e principalmente a tentar me convencer de que ela é adulta, vai continuar sendo minha maninha, mas não é mais o presentinho que ganhei de aniversário adiantado, minha versão de mim mesma aprimorada. A Rafa é dela mesma e eu tenho de me contentar em saber que eu ajudei-a a ser assim.

Ontem, quando pisei no salão, algumas coisas ainda não estavam resolvidas, eu me assustei. De repente, minutos antes da cerimônia iniciar, percebi que não sou capaz de impedir a Rafa de sofrer as consequência de suas escolhas e muito menos daquelas lembranças que a vida insiste em nos dar de que não estamos no controle. Notei que não podemos preencher os espaços que ela vai nos deixando, por mais que nos esforcemos para isso. Por isso chorei, pois via que nem tudo estava como eu gostaria, para minha ansiedade (pois eu queria estar mais perto) e para sorte da Rafa (que pode fazer as coisas do seu jeito e tudo dar certo e ficar maravilhoso como de fato foi). Depois de verificar que tudo se resolveu, eu ainda queria dar uma chineladas na Rafa por nos fazer ficar mais tensos do que o inevitável.
Por fim, quando tudo virou festa, vi que era só a festa da Rafa do jeito dela e tudo ia dar certo. Sempre soube que a Rafa é muito diferente de mim, mas entendi que vai dar certo, do jeito da Rafa, e fiquei feliz e orgulhosa de ter ajudado ela a ser quem é.

É bem possível que eu ainda passe o resto da vida me achando menos perto "das crianças"- como sempre chamei meus dois irmãos mais novos, mesmo muito depois deles deixarem de sê-lo - do que eu gostaria. Mais provável ainda que eu continue querendo controlar suas vidas para que façam tudo certo e não sofram nem mesmo o pouco que eu sofri. Mas acho que agora vou entendê-los quando me contrariarem e talvez nem queira dar umas boas chineladas, porque eles estão bem preparados para decidir e enfrentar "a dor e a delícia de ser o que são."

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